Origem: Boletim CBC Órgão Noticioso do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (Alfredo Guarishi, TCBC-RJ)
O cirurgião clandestino: Hamilton Naki, um sul-africano negro de 78 anos, morreu no final de maio/2005. A notícia rendeu poucas manchetes, mas a história dele é uma das mais extraordinárias do século 20. “The Economist” contou-a em seu obituário desta semana. Naki era um grande cirurgião. Foi ele quem retirou do corpo da doadora o coração transplantado para o peito de Louis Washkanland em dezembro de 1967, na cidade do Cabo, na África do Sul, na primeira operação de transplante cardíaco humano, bem-sucedida. É um trabalho delicadíssimo. O coração doado tem de ser retirado e preservado com o máximo cuidado. Naki era talvez o segundo homem mais importante na equipe que fez o transplante cardíaco da história. Mas não podia aparecer porque era negro no país do apartheid. O cirurgião-chefe do grupo, o branco Cristiaan Barnard, tornou-se uma celebridade instantânea. Mas Hamilton Naki não podia sair nas fotografias da equipe. Quando apareceu numa, por descuido, o hospital informou que era um faxineiro. Naki usava o jaleco e máscara, mas jamais estudara medicina ou cirurgia. Tinha largado a escola aos 14 anos. Era jardineiro na Escola de medicina da Cidade do Cabo. Mas aprendia depressa e era curioso. Tornou-se o faz-tudo na clínica cirúrgica da escola, onde os médicos brancos treinavam as técnicas de transplante em cães e porcos. Começou lavando chiqueiros. Aprendeu cirurgia assistindo experiências com animais. Tornou-se um cirurgião excepcional, a tal ponto que Barnard requisitou-o para sua equipe. Era uma quebra das leis sul-africanas. Naki, negro, não podia operar pacientes nem tocar no sangue de brancos. Mas o hospital abril uma exceção para ele. Virou um cirurgião, mas clandestino. Era o melhor, dava aulas aos estudantes brancos, mas ganhava salário de técnico de laboratório, o máximo que o hospital podia pagar a um negro. Vivia em um barraco sem luz elétrica nem água corrente, num gueto da periferia. Hamilton Naki ensinou cirurgia durante 40 anos e aposentou-se com a pensão de jardineiro, de 275 dólares por mês. Depois que o apartheid acabou, ganhou uma condecoração e um diploma de médico honoris causa. Nunca reclamou das injustiças que sofreu a vida toda.
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